Publicamos agora a segunda parte do importante estudo do camarada Garcia Pereira sobre as recentes e celeradas alterações ao código do trabalho e na área da segurança social.
A aplicação de um plano de desindustrialização massiva e progressiva do nosso País e de destruição de grande parte da sua capacidade produtiva, a persistência na aposta no modelo dos baixos salários, ou seja, do trabalho intensivo, pouco qualificado e miseravelmente pago, e a aceitação, assumida e executada pelos sucessivos governos desde o início da integração europeia, do papel de Portugal como mera sub-colónia do imperialismo germânico, conduziram em linha recta a uma situação de completa dependência económica e financeira, mas também política, de Portugal, tendo de importar mais de 80% daquilo que diariamente consome, mas também sendo o País da UE-27, a seguir à Letónia, com o indicador de desigualdade na distribuição de rendimentos (o chamado índice GINI) mais elevado – em 2010 a média da UE 27 era de 30,5 e em Portugal de 33,7 – e com o 3º índice de desigualdades sociais mais elevado de todos os 30 países da OCDE.
Simultaneamente, a própria CMVM revelou que, não obstante a situação do País, só entre 2000 e 2005 as remunerações dos membros das Administrações das 20 empresas mais cotadas na bolsa triplicaram e ainda que, em média, os gestores dessas empresas ganham cerca de 30 vezes mais que a remuneração média dos respectivos trabalhadores. E de acordo com os dados muito recentemente divulgados pela Unicef no seu relatório “Medir a Pobreza Infantil”, considerando crianças até aos 16 anos e elementos de 2009, num universo de 29 países, Portugal está em 25º lugar, tendo atrás de si apenas a Letónia, Hungria, Bulgária e Roménia, e sendo que quase 1/3 das crianças portuguesas está em carência económica e 14,7% vivem mesmo em famílias cujo rendimento não ultrapassa os 200 euros mensais !
Em Outubro de 2011 tínhamos 25,3%, (em 2007 essa taxa era de 18%) da população abaixo do chamado “limiar mínimo de pobreza” (actualmente calculado em 434 €), dos quais grande parte são a esmagadora maioria dos 1.600.000 reformados, com pensões miseráveis (a pensão média geral era, então, de 409,35 mensais, sendo 531,00 a dos homens e 304,00 a das mulheres). Mas também esses pobres são, e cada vez mais, empregados – com efeito, estes, só entre 2009 e 2010 aumentaram 124,000, ou seja, 12% ! – o que só mostra que há cada vez mais pessoas em Portugal que, embora tendo trabalho, ganham de tal modo miseravelmente que o salário não dá para garantir a subsistência mínima.
Mas, para além destes cerca de dois milhões e meio de pobres, há ainda um número que se estimava ser no final de 2011 de entre um milhão e meio e dois milhões que só não estão abaixo do referido limiar mínimo de pobreza por beneficiarem de prestações sociais de diversa ordem (que em linguagem estatística se denominam de “estabilizadores automáticos sociais”), tais como subsídios de doença ou de desemprego, pensões, complementos solidários, etc.. Ou seja, aquelas mesmas prestações correspondentes a despesas sociais do Estado que já diminuíram em termos reais entre 2010 e 2012 em 19,8% (em termos nominais, 6.5%) e sobre as quais o Governo prepara novos e ainda mais brutais cortes, sempre sob os eternos pretextos do combate ao défice e do pagamento da dívida, lançando estas pessoas na miséria e na fome. Por exemplo, entre 2010 e 2011 foram pagos menos 70.000 abonos de família e as novas regras do subsídio de desemprego – introduzidas pelo Dec. Lei 64/2012 – encurtaram os prazos de atribuição e reduziram os respectivos montantes, através da fixação dum limite máximo mais baixo, de 3 para 2,5 IAS – o chamado “Indexante de Apoios Sociais”, no valor actual, mantido desde 2009, de 419,22 – e da redução automática de 10% ao fim de 6 meses). Porém, e simultânea mas muito significativamente, não obstante o enorme aperto dos respectivos critérios de atribuição, segundo os próprios dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministro da Solidariedade e Segurança Social, o número de novos beneficiários do Rendimento Social de Inserção durante o 1º trimestre de 2012 mais do que triplicou em relação ao último trimestre de 2011, atingindo agora os 330 mil !
Mercê das políticas governamentais, primeiro de Sócrates e agora de Coelho e Portas, actualmente o número real dos desempregados é da ordem do milhão e quatrocentos mil, já que os 14% do último trimestre de 2011 de desempregados oficiais (771.000.00) subiram agora, em Maio de 2012, para 15,2% (833.000.00) – que corresponde a um agravamento de 3,6% no espaço de um ano ! – sendo que a este número haverá ainda que adicionar os chamados “inactivos disponíveis” (desempregados que não se chegam a inscrever nos Centros de Emprego por não terem qualquer esperança de voltar a entrar no mercado de trabalho), os “inactivos desencorajados” (que chagaram a estar inscritos mas não renovaram a inscrição) e os do “sub-emprego visível” (que são reais desempregados mas que, por frequentarem uma acção de formação ou terem um “gancho” onde auferem umas dezenas de euros, saltam fora das estatísticas oficiais do desemprego) e que ascendiam no final de 2011 respectivamente a 230.00, 83.000 e 187.000, num total de 473.000,00, e que entretanto também subiram. Entre o jovens, a taxa de desemprego já vai (dados de Maio) em 36,6% !
Todavia, deste número gigantesco de desempregados, de acordo com os próprios dados da Segurança Social, apenas 360 mil, ou seja, um quarto, recebe actualmente subsídio de desemprego, ficando os restantes 3/4 entregues à mais completa miséria.
Demonstrando que se está aqui perante um processo de destruição maciça das forças produtivas o número no final do ano de 2011 de desempregados há mais de um ano era de 405.00 e de há mais de dois anos de 294.000, do mesmo passo que se em 2011 4731 empresas declararam falência (o que já representava um aumento de 14% relativamente a 2010), no 1º trimestre de 2012 já abriram falência 1650 empresas, o que significa mais 45% do que em igual período do ano passado.
Em termos de mercado de trabalho, a população empregada passou de 4.735,400 no último trimestre de 2011 para 4.662.500 no 1º trimestre de 2012 (ou seja, menos 72.900 trabalhadores empregados em apenas um trimestre) o que representará, a manter-se este ritmo, um total de 291.600 despedimentos no final do presente ano, mais 36,6% que em 2011.
Por outro lado, do total da população empregada, há cerca de 750 mil trabalhadores contratados a prazo e estima-se que outros cerca de 500 a 750 mil trabalhadores com vínculos ainda mais precários (tais como “recibos verdes”, contratos ditos de “formação”, comissionistas, etc.), ou seja, todos os dias há quase um milhão e meio de pessoas, cerca de 1/3 da população empregada, que sai de casa sem saber se à noite ainda tem com que dar de comer aos filhos…
E hoje mais de 70% das novas contratações em Portugal são não permanentes (na UE são em média de 50%), mas relativamente aos jovens com menos de 35 anos essa percentagem ascende a 85% !?
E a verdadeira razão de ser desta aposta na contratação precária é bem evidente quando são os “Quadros de Pessoal” do INE que demonstram as marcadas diferenças salariais entre os trabalhadores com vínculos estáveis e aqueles com vínculos precários – segundo os dados de 2009 a remuneração média horária dos trabalhadores efectivos era de 5,40 euros, a dos trabalhadores contratados a prazo de 4,03 euros (74,6%) daquela) e a dos trabalhadores temporários de 3,30 euros (61,1%).
Por fim, e uma vez que o discurso ideológico com que continuamente se procuram justificar as medidas terroristas do roubo dos salários e do trabalho é o de que os trabalhadores portugueses são pouco produtivos (como se a produtividade não fosse um problema do patrão e não do trabalhador, já que se este, para fazer o seu trabalho, tiver por utensílio uma enxada ou um moderno tractor, o resultado será completamente diverso…), trabalham pouco e ganham demais, convirá ter presentes os dados que se seguem.
Antes de mais, o salário mínimo nacional é em Portugal, como se sabe, de 485 euros, enquanto em Espanha é de 748, no Reino Unido de 1.035 e na França de 1.377.
De acordo com os dados do ano passado – entretanto a diferença ter-se-á acentuado – do próprio Fórum Económico Mundial o número médio de horas anuais de trabalho do trabalhador português era de 1734, o número médio da UE no seu conjunto, de 1686 (ou seja, menos 48) e o número médio do trabalhador alemão, de 1659 (isto é, menos 75 horas anuais que o trabalhador português).
Por outro lado e segundo os dados do Eurostat os custos hora do Trabalho (incluindo o salário pago, as contribuições para a Segurança Social, a apólice de seguro de acidentes de trabalho e os demais custos administrativos) da média da UE-27 era em 2011 de 23,10, na Espanha de 20,60, na Alemanha de 30,10 e na Bélgica de 39,30, enquanto em Portugal era de … 12 euros ! Ou seja, os custos salariais – que os “especialistas” como António Borges, do alto dos seus “modestos” rendimentos de centenas de milhares de euros ao ano, proclamam enfaticamente terem de ser radicalmente diminuídos – em Portugal são afinal de apenas 52,4% da média europeia, 58,7% dos custos na Espanha, 40,2% dos custos salariais na Alemanha e 30,8% na Bélgica ! Mas, em contrapartida, a produtividade do trabalho em Portugal relativamente à UE, à Espanha, à Alemanha e à Bélgica é, respectivamente, de 76,5%, 70,2%, 72,6% e 60%.
Isto é, uma vez mais ao contrário do que todos os dias proclamam os “especialistas” da nossa praça, segundo as próprias estatísticas da União Europeia, a percentagem da produtividade do Trabalho em Portugal é muito superior à percentagem dos custos do mesmo Trabalho relativamente não só à média da mesma União Europeia como também a países como a Espanha, a Alemanha e a Bélgica. E ainda que, de acordo com as estatísticas públicas, entre Abril e Dezembro de 2011 mais de 400 mil trabalhadores passaram da situação de emprego para o desemprego enquanto cerca de 360 mil trabalhadores passaram de desemprego para emprego, o que representa o mais baixo nível da União Europeia das chamadas “segmentação” ou “rigidez” do mercado de trabalho, que precisamente são todos os dias invocadas para tentar justificar o terrorismo do novo Código do Trabalho recentemente aprovado pelo PSD e CDS com a chancela do PS de Seguro.
Por fim, e ainda antes de entrar na análise de maior pormenor desse mesmo Código, convém recordar aqui que, ainda antes da “liberalização” e da “flexibilização” introduzidas pelo Código do Trabalho de Bagão Félix (entrado em vigor em 2003), a afirmação, já tão repetida na altura pelos ditos “especialistas” da nossa praça, de que o nosso actual Direito do Trabalho seria o mais rígido da Europa não passava, afinal, de uma “blague” tão falsa quanto infundada. Na verdade, com a única e pontual excepção do regime jurídico do despedimento individual com justa causa (em que, de facto, o ordenamento jurídico português é um pouco mais apertado do que na generalidade dos outros países) o nosso sistema laboral era já então mesmo dos mais flexíveis e menos regulamentadores da União Europeia, do mesmo passo que era, e é, dos que mais baixo nível de empregabilidade e mais baixa protecção social em situação de desemprego têm.
Com efeito, de acordo com um estudo do sociólogo António Dornelas (“Trabalho e Emprego: Perspectivas Futuras”, in “Emprego e Organizações – mudanças e novas perspectivas, 20 e 21 de Novembro de 1998”, pp. 45-63) num quadro de índice de regulação legal do mercado de trabalho e numa escala de 0 a 8, Portugal aparecia então, ainda antes do Código do Trabalho de 2003, com o valor de “4”, a par da Bélgica e da Irlanda, tendo o Reino Unido “0”, a Dinamarca “2”, a Holanda “5”, a França e Alemanha “6”, a Suécia, a Itália e a Espanha “7”. Por seu turno, um dos maiores especialistas europeus em Direito Social e do Trabalho, “Colin Crouch” (“Revised diversity: from the neo-liberal decade to beyond Maastricht”, in J. Van Ruysseveldt e J. Visser, “Industrial Relations in Europe – Traditions and Transitions”, Londres, 1996 definia, no quadro das relações industriais na UE, como países com padrões laborais baixos, Portugal, Espanha e a Grécia, caracterizando mesmo expressamente o sistema laboral português como “um sistema duro, desregulado e dominado pelos empregadores”.
E isto era assim, repete-se, antes do “Código do Trabalho Bagão Félix” de 2003 e das “Revisões Vieira da Silva” de 2006 e 2009 !
E, por outro lado, no que respeita à regulação normativa das relações de trabalho, ou seja, operada não apenas através das leis e dos Códigos do Trabalho mas também, para não dizer sobretudo, por outras Fontes de Direito, com a contratação colectiva (normalmente mais favorável ao trabalhador do que a própria lei) à cabeça, impõe-se salientar que, de acordo com os dados de 2010 da OCDE, a taxa de cobertura de trabalhadores por contratação colectiva enquanto é na Áustria de 99%, na Bélgica de 96%, na França de 90%, na Espanha de 84,5%, na Alemanha de 62%, no todo da mesma OCDE de 53,3, em Portugal é apenas de 45%, sendo que a Tróica e o Governo pretendem agora diminuir ainda mais essa taxa adoptando medidas (ditas de “desconcentração” da negociação) que visam liquidar em definitivo a mesma contratação colectiva e tudo reduzir, em matéria de definição das condições de trabalho e de salário, à relação individual entre patrão e trabalhador e à imposição absoluta dos poderes e dos interesses daquele, possibilitando deste modo alcançar um abaixamento ainda maior dos já miseráveis salários que são pagos entre nós e um agravamento ainda mais acentuado das já péssimas condições de trabalho, a começar pelos horários, que são, em geral, praticados.
E isto é assim precisamente porque tal medida terrorista do embaratecimento brutal do trabalho é a única medida que a burguesia tem para o Povo pagar, pagar e continuar a pagar a dívida, que não cessará entretanto de crescer (com um ano de programa de “ajuda” da Tróica ela já cresceu de 117 para 190 mil milhões de euros, ou seja, 73 mil milhões !?).
Dito de outra forma, se aceitarmos pagar a dívida para encher os bolsos aos bancos alemães, vão baixar-nos os salários para a pagar, e depois vamos ter que pagar outra, mais outra e ainda outra vez – a dívida pública aceite pelo Estado português em 1892 acabou agora de ser paga em … 2005 !? – ou seja, esses salários e as demais condições de trabalho miseráveis irão eternizar-se.
É precisamente por essa razão que os trabalhadores portugueses se devem mobilizar para recusar pagar uma dívida que eles não contraíram e não foi contraída em seu benefício e que não pagar significa, antes de mais, lutar contra todas as medidas de roubo do salário e do Trabalho que o novo Código do Trabalho precisamente representa, e que iremos de seguida analisar mais detalhadamente.
As medidas terroristas do governo de traição nacional na área do trabalho e da segurança social - I