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Defender a “renegociação da dívida” é fazer o jogo do governo e da tróica

nao pagamosEm conferência de imprensa realizada há dias no parlamento sobre o Orçamento de Estado para 2014, o deputado do PCP Paulo Sá, referindo-se a uma proposta do seu partido de incluir na lei do orçamento o princípio de limitar o montante de juros a pagar respeitantes à dívida pública a 2,5% do valor das exportações, e à consequente necessidade de renegociar a dívida com os credores, afirmou a dado passo o seguinte:
Tal limitação, correspondente em 2014 a 1.660 milhões de euros, assegura que o país paga a dívida pública sem empobrecer, à medida das suas reais possibilidades”.

Temos assim que, do montante exorbitante de 7.239 milhões de euros de juros da dívida previstos no OGE para 2014, o PCP propõe que se pague ordeiramente 5.579 milhões de euros e que se renegoceie o pagamento do restante, sempre dentro do princípio de que os compromissos da dívida são para cumprir.

Para além de representar uma lamentável subserviência perante a agiotagem da banca, esta posição do deputado do PCP escamoteia o facto de a dívida pública ser o principal instrumento de que dispõe o grande capital financeiro e o imperialismo internacional para empobrecer o povo e de que não há forma de romper com esta situação a não ser quebrando e deitando pela borda fora esse instrumento. Pagar a dívida e pôr fim ao processo de empobrecimento do povo é uma contradição nos termos e defendê-lo, como faz o PCP, significa iludir o povo e perpetuar o actual estado de coisas.

Com efeito, a renegociação do pagamento da dívida “nos juros, prazos e montantes”, como diz o PCP (e repete, exactamente com as mesmas palavras, o BE), é algo que serve os credores e o grande capital e, mais tarde ou mais cedo, irá acontecer pela mão dos lacaios destes que estão no governo, pelo simples facto de a actual dívida pública ser impagável. Depois de tal renegociação, todos os mecanismos de saque dos recursos do país e dos rendimentos do povo trabalhador que a mesma se destina a assegurar continuarão de pé e serão reforçados, designadamente por via do alargamento dos prazos para o seu pagamento e do prolongamento e agravamento das ditas medidas de austeridade que virão associados.

Bem pode o deputado do PCP dizer, como disse, que na mencionada renegociação se deve exigir a redução das taxas de juro e dos montantes da dívida, que tal não passa de um voto piedoso sem consequências. Primeiro, porque um alargamento dos prazos de pagamento da dívida já implica normalmente uma redução dos juros, sempre com vantagem para os credores. Segundo, porque a redução do montante da dívida, ou corresponde a um perdão parcial que é do interesse dos credores e reforça a sua posição, como sucedeu com a Grécia em 2011, ou terá de implicar a rejeição do pagamento desse montante, posição que o PCP se recusa a assumir. Na verdade, não há forma de impor à banca o não pagamento de uma parte da dívida fora de uma firme posição de princípio de repúdio de toda a dívida.

Quase na mesma altura em que o PCP realizava a sua conferência de imprensa no parlamento em defesa da renegociação da dívida, um antigo ministro da Economia do PS, Daniel Bessa, propugnava também, num congresso de economistas, que é urgente renegociar a dívida pública já que a mesma, tal como está, não pode ser paga. Defensor incondicional do grande capital financeiro, o Bessa disse aquilo que todos os que se encontram do seu lado da barricada sabem ser inevitável. É claro que a nova medida terrorista que ele sugeriu como gesto de vassalagem perante os imperialistas alemães a quem eventualmente será apresentada a proposta de renegociação – o lançamento de um “imposto pesado” sobre todos os depósitos bancários, sem excepção, o que atingirá sobretudo os pequenos depositantes, que são os que não conseguem retirar o seu dinheiro dos bancos – não é proposto por outros defensores da mesma, como é o caso do PCP ou do BE. Mas a verdade é que na “noite” da dita renegociação todos os gatos são pardos e o resultado da mesma traduzir-se-á sempre num reforço da exploração e do massacre sobre o povo trabalhador.

A pedra-de-toque que permite delimitar os campos na actual luta pelo derrube do governo de traição nacional Coelho/Portas e pela expulsão da tróica germano-imperialista é a posição face à dívida pública. “Não pagamos!” é a palavra-de-ordem central que tem de unir as amplas massas trabalhadoras e todos os sectores, partidos, movimentos e personalidades democráticos e patrióticos. A anulação ou, pelo menos e em termos imediatos, a suspensão do pagamento da dívida é a posição de princípio com base na qual se terá de constituir uma alternativa ao governo fascista de traição nacional PSD/CDS.