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Ensaio

A nova direita e a subjectividade reaccionária
Não é surpreendente o facto de parte da pequena burguesia urbana, que não se preocupa grandemente com a luta de classes, votar no PAN. A Iniciativa Liberal encontra apoio na grande massa de pequenos e médios empresários e proprietários, que querem diminuir os impostos sobre os lucros que extraem do trabalho alheio. Porém, o relativo sucesso da nova extrema-direita liberal-fascista é mais complexo. 
É sabido que, para além dos sectores mais reaccionários da pequena burguesia capitalista, muitos assalariados se revêem nas posições racistas, machistas, justicialistas, anticomunistas, e em suma, fascistas, do Chega!. Uma observação mais ou menos atenta da vox populi ao longo das últimas décadas indica claramente que este tipo de posicionamento não só está presente em vastos sectores sociais, como tem um papel infraestrutural na reprodução do capitalismo nacional. Ou seja, o fascismo do Chega! tem razões materiais, e não apenas ideológicas. 
Em primeiro lugar, o racismo permite a reprodução da divisão racial do trabalho, o que beneficia a competitividade e o crescimento económico burgueses e, portanto, funciona também em proveito dos sectores sociais intermédios, pequeno-burgueses. 
Em segundo lugar, o machismo fomenta a divisão sexual do trabalho e empurra as mulheres mais pobres para o trabalho doméstico não-pago ou pago miseravelmente, como estipula a recentemente aprovada ‘lei do cuidador informal’. Neste campo, temos também a defesa do modelo da família burguesa enquanto lugar de reprodução gratuita da força de trabalho, o que permite pacificar a gradual destruição dos serviços sociais do Estado burguês, tais como o serviço nacional de saúde, a escola pública, e a segurança social. 
Em terceiro lugar, o justicialismo acompanha uma crescente legitimação da violência arbitrária dos órgãos de repressão do Estado. Em nome do combate à 'corrupção’ e à 'subsidio-dependência', numa renovada apologia da meritocracia burguesa, o justicialismo abafa os movimentos de contestação das desigualdades sociais e contribui para a reprodução das mesmas. Assim se garante  a manutenção dum exército industrial de reserva — pobre, desesperado, pouco qualificado, e parcialmente racializado e/ou imigrante — e a repressão salarial que, como já foi referido, beneficia a competitividade económica. 
Em suma, o surgimento duma subjectividade reaccionária entre as massas populares é uma evidência absolutamente compatível com o modelo económico vigente. É reflexo de uma série de fenómenos estruturais, tais como a redistribuição de superlucros imperialistas, o aumento global da produtividade industrial, e a democratização do crédito particular, entre outros ‘subornos’ que facilitam o acesso popular ao consumo e levam ao aburguesamento de sectores consideráveis da população.3 Portanto, a ideia de que comunistas devem apenas ‘disputar’ o eleitorado do liberal-fascismo não é compatível com a realidade social e material. 
Para os comunistas, é urgente compreender que esta subjectividade pequeno-burguesa reaccionária não pode ser combatida por via do “progressismo nos costumes” tão apregoado pela grande burguesia, pelos sectores culturais intelectuais, e pelo Partido Socialista, pelo Bloco de Esquerda, e pelo Livre. Os casos pontuais de ‘reconversão’ a posições mais moderadas, ou mesmo progressistas, são sempre estatisticamente irrelevantes. As consequências deste tipo de posicionamento idealista são graves, porque enquanto se disputam sectores reacionários no plano ideológico, abandonam-se os sectores objectivamente progressistas e anti-fascistas.
A quem cabe revolucionar a actual ordem social? Às classes revolucionárias, e não a quem alimenta a fé, e o interesse material, no seu suposto direito a pertencer às classes mundialmente dominantes e a usufruir dos seus privilégios, apoiando se necessário, a direita abertamente fascista. 
Notas:
(3)Vide O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo V. I. Lenine
JC


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