PAÍS
- Publicado em 03.04.2020
Uma vez mais somos contra o estado de emergência e o anúncio do seu prolongamento!
Aí está! A decisão do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa – que, cada vez mais ao estilo das conversas em família do outro Marcelo, o Caetano, a anunciou – em prolongar os efeitos do golpe de Estado que suspendeu as liberdades e garantias constitucionais, com o cúmplice acolhimento de Costa e da Assembleia da República, permitindo um prolongamento de mais 15 dias do estado de emergência.
O cinismo e a hipocrisia atingiram, aliás, um ponto alto quando, esta manhã, no hemiciclo da Assembleia da República foi proposta pelo deputado fascista do CDS/PP, Telmo Correia, a celebração da aprovação da Constituição ocorrida há precisamente 44 anos, a 2 de Abril de 1976, no contexto da anti-democrática decisão do então Conselho da Revolução em excluir o MRPP das eleições para a Constituinte, a mando dos social-fascistas do PCP de Álvaro Barreinhas Cunhal.
Não satisfeitos com as medidas fascistas que já integravam a anterior versão da Lei de Emergência Nacional, o Presidente da República, o governo de Costa/Centeno, os partidos do “arco parlamentar” – mesmo o Iniciativa Liberal que votou contra o decreto por motivos pueris e oportunistas e aqueles que se abstiveram –, fizeram passar uma extensão daquela lei fascista, com medidas ainda mais gravosas do que a versão anterior.
Ficam cientes os operários e os trabalhadores de que estão autorizados pelo governo dos patrões a ir para os seus locais de trabalho, neles permanecer e ser explorados para, finda a jorna, regressarem aos seus domicílios, estando-se o patronato e o governo nas tintas para assegurar as condições de segurança que obstem à contaminação de COVID-19, desde logo por não poderem garantir a distância exigível para que tal não ocorra.
Contrastando com esta permissibilidade, a nova versão da Lei de Emergência proibe o direito constitucional de reunião e manifestação. Isto é, os operários e trabalhadores estão proibidos de se reunir ou manifestar contra quem os explora, os lança no desemprego e não lhes garante o mínimo de segurança sanitária – veja-se o caso das operadores de caixa nos supermercados – ou o salário, como acontece com as centenas de operários que foram despedidos no parque industrial da Auto-Europa ou os estivadores do porto de Lisboa.
Uma medida que se compagina com a possibilidade de o governo requisitar às operadoras de telemóvel a monitorização dos telefones e chamadas telefónicas, como forma de conhecer os passos que o respectivo proprietário dá. É o policiamento à boa moda da extinta (?) PIDE, levado até às últimas consequências.
Quem tinha dúvidas àcerca do que afirmávamos quanto à natureza absolutamente fascista dos pressupostos da primeira versão da Lei de Emergência Nacional, não pode invocar distração ou alheamento quanto à extensão e agravamento de tais medidas nesta segunda versão. Estas medidas fascistas visam a luta que os operários e trabalhadores vão ser forçados a protagonizar e os mais que previsíveis levantamentos populares e não qualquer preocupação sanitária com vista a travar o progresso da pandemia.
Isso mesmo se pode inferir do cada vez mais notório nervosismo da burguesia. A forma como encarrega a comunicação social vendida e os jornalistas de merda, de divulgarem as detenções dos que se indignam contra os abusos de poder decorrentes do golpe de Estado – e os seus números –, de forma detalhada, indicam que estão em pânico com a possibilidade cada vez mais real de que a situação, para além do descontrolo médico e sanitário, derrape para levantamentos populares, antecâmara da revolução.
Todos os dias, a toda a hora, o esforço mediático do governo e do Presidente da República, centra-se no elencar dos números:
• O número de infectados, o número de internados – e, entre estes, os que se encontram em estado crítico –, o número de mortes;
• O comportamento que a curva de infectados e mortos revela e as estratégias para que o pico da pandemia tenha um comportamento de “planalto”, em vez de ser muito pronunciado;
• As acções de contenção que visam assegurar o respeito pelo confinamento social das populações, exibindo inúmeras reportagens sobre as acções levadas a cabo pelas forças militares, paramilitares e de segurança de repressão – mascarada, por vezes, de acção pedagógica de prevenção – sobre as populações;
• Os número envolvidos na chegada de milhares de toneladas de equipamento médico, cirúrgico, de segurança, quer para satisfazer encomendas previamente colocadas, quer por virtude da “solidariedade” de outros países.
Números e notícias que servem, apenas e tão só, para alienar a consciência de operários e trabalhadores. Números em catadupa que nos contam uma parcela apenas do que se passa, para nos esconder porque é que as coisas se estão a passar assim e porque é que as medidas políticas e logísticas que o governo está a adoptar não resolverão a situação pandémica, sem antes terem feito milhares de vítimas, algumas delas fatais.
Números e notícias que escamoteiam o facto de que é a montante, e devido ao modelo de Serviço Nacional de Saúde existente no país, que se encontra o problema, tal como o caracterizámos no artigo “Modelo capitalista na saúde responsável por dezenas de milhar de mortes”. Números ainda por cima pouco fiáveis quando se adensam suspeitas de que estão a ser manipuladas as taxas de infectados e mortes, no sentido de criarem uma realidade virtual, que permita conter a revolta e contestação popular.
O sistema colapsou, como demonstra toda a histeria que os intervenientes – Directora Geral da Saúde e Secretário de Estado da Saúde, por vezes assessorados por Centeno ou por Siza, sempre tutelados por Costa e Marcelo – exibem nas conferências de imprensa em torno da necessidade de “domar” a curva pandémica, tentando fazer crer que tal política induziria um comportamento de “planalto” à dita curva pandémica.
Isto é, a um comportamento que minimize o caos e o colapso do SNS que, decididamente, não tem meios – como o denunciam recorrentemente as Ordens dos Médicos, Enfermeiros e Farmacêuticos – humanos e materiais para lidar com um tão grande afluxo de casos, situação que poderia e deveria ter sido devidamente amenizada e controlada se o Serviço Nacional de Saúde e a gestão hospitalar pública não assentasse no modelo capitalista que priviligia a rentabilidade económica, em vez da eficiência médica, quer na vertente da prevenção, quer na vertente do tratamento, ou seja um SNS que desse satisfação às necessidades de quem a ele acorre para mitigar o sofrimento, a dor e a doença.
A presente crise pandémica revela a total subserviência deste governo aos interesses capitalistas privados – hospitais, clínicas, laboratórios, etc. , sendo que a própria ADSE assenta, no essencial , num modelo privado. Revela que esta solução colapsou. Quando propomos a nacionalização de todo o sector da saúde, temos plena consciência de que essa medida, no quadro de um sistema capitalista, nunca poderá ter uma natureza socialista.
Porém, acreditamos que a ser imposta, esta nacionalização corresponderá – tal como a reversão da privatização da TAP, dos CTT, da EDP, etc. – a uma vitória popular, numa matéria que terá como consequência imediata, melhorar, por um lado, a vida dos operários e trabalhadores e, por outro, elevar a sua consciência para a necessidade imperiosa de levar a cabo uma revolução comunista, para que o modo de produção capitalista e a escravatura assalariada que lhe está associada, sejam destruídos. Nesta matéria estamos nos antípodas do que propõem PCP e BE que entendem a nacionalização como um fim em si mesmo, apresentando-a como a solução para tornar mais “humano” o sistema capitalista.
Ao priviligiar a sacrossanta propriedade privada, o governo de Costa/Centeno, optou por não integrar os hospitais privados numa rede pública única, sob a direcção do sector público, assegurando privilégios e lucros chorudos aos laboratórios de análises clínicas e meios complementares de diagnóstivo, assinando protocolos e contratos que enchem os cofres dessas instituições privadas. O desplante chega ao ponto de o estado salvar o sector do turismo privado, protocolando com alguns hóteis de todo o país, quartos e serviços pagos a peso de ouro, para instalarem doentes ou suspeitos de infecção para cumprirem períodos de quarentena a que sejam sujeitos. Ao adoptar este caminho, o governo amputou a possibilidade de uma acção de saúde coordenada e planificada.
Não que tenhamos ilusões àcerca da natureza de classe do poder – burguesa, capitalista e imperialista –, não que não tenhamos consciência, como comunistas, de que a presente crise pandémica não terá uma solução a contento dos interesses da classe operária e dos trabalhadores, no quadro de um sistema capitalista, como aquele que é dominante em Portugal. Mas, como comunistas, devemos exigir que medidas sejam tomadas para minimizar o quadro com que o país está a ser confrontado.
03Abr2020
LJ