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PAÍS

Os soaristas e a Grécia

O inner circle (círculo íntimo) de Mário Soares, conjunto de três dezenas de cidadãos que vai desde Ana Gomes, Diana Andringa, Alfredo Caldeira e Vítor Ramalho até Boaventura Sousa Santos, D. Januário Torgal Ferreira e Vasco Lourenço, fez chegar à comunicação social um auto-proclamado Manifesto, a apelar à solidariedade para com o povo grego.

Com um texto de duzentas palavras, agrupadas em quatro pequenos parágrafos, o manifesto é um pastel político do mais nauseabundo oportunismo e um escrito que envergonha a língua portuguesa e a sua gramática.

A coisa é de tal modo medíocre que, muito embora quase todos os órgãos de comunicação o tenham noticiado, nenhum se atreveu a transcrever uma única palavra do texto. O bicho era política e gramaticalmente impublicável.

Não haverá um único elemento do povo português que não esteja solidário com o povo grego, nesta ocasião tão difícil da sua história.

Mas as razões da solidariedade popular portuguesa para com a Grécia nada têm a ver com as obscuras razões insinuadas no manifesto soarista.

Os soaristas consideram chocante a preocupação doméstica em sublinhar que “nós não somos a Grécia”, mas parece esquecerem que se deve a Sócrates e ao seu ministro das finanças, o famigerado Santos, a expressão política pública dessa pretendida diferença das situações, e portanto dos consequentes tratamentos no seio da União Europeia, entre a Grécia e Portugal.

Ainda hoje, António José Seguro vocifera em toda a parte que nós não somos a Grécia, e, há bem pouco tempo, o próprio Soares escrevia na nossa imprensa que Portugal não era a Grécia.

Desde quando é que os soaristas deixaram de pensar dessa maneira?

Mas o mais importante é encostar desde logo a espada ao coração dos soaristas e perguntar-lhes: se é chocante dizer que nós não somos a Grécia, então qual é a relação correcta, não chocante, que deve ser publicamente estabelecida entre a Grécia e Portugal?

A isto não há um só soarista que responda o que deveria ser respondido: nós somos a Grécia; a Grécia é o nosso espelho; nós vamos acabar como os gregos. Parafraseando Marx, no seu juvenil ensaio sobre A Questão Judaica, na União Europeia, hoje em dia, somos todos gregos.

Se tanto o dissessem, os soaristas estariam certos, mas a verdade é que não o dizem nem nunca o dirão. Os soaristas não criticam a política inserta no memorando assinado com a Tróica, pois foi o próprio Soares, numa discussão violentíssima com o então primeiro-ministro como deu a conhecer recentemente, quem convenceu Sócrates a pedir ajuda externa à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Internacional, em suma, à Tróica, política que Soares já conhecia, pois que estava a ser aplicada havia mais de um ano à Grécia.

Se é chocante ver alguém pôr-se em bicos de pés e jactanciar-se de que nós não somos a Grécia, mais chocante ainda é ver alguém agachar-se e ocultar, como o faz o manifesto soarista, que nós somos realmente a Grécia.

A solidariedade que vêm pedir para a Grécia é a mesma solidariedade que Portugal precisa, desde que o PS e PSD/CDS, traindo o país, entregaram Portugal aos bancos e monopólios hitlerianos – perdão, germânicos!

Onde, porém, o manifesto dos trinta e dois soaristas mostra a alma é quando implora a solidariedade do povo português para com o povo grego, não para que o povo grego e os demais povos europeus, incluindo o português, se libertem da exploração e opressão impostas pelo colonialismo alemão, mas para que se evite a fractura entre o povo grego e os seus partidos políticos, para que se evite a violência nas ruas e se retome o diálogo.

Mas o diálogo com quem? O diálogo do povo grego com os partidos que o traíram? E é isso que também querem para Portugal: o diálogo dos trabalhadores despedidos, dos operários roubados, dos jovens sem futuro, dos velhos a morrer de fome e sem medicamentos, o diálogo de todo este povo empobrecido para pagar dívidas que nunca contraiu, para salvar da falência bancos usurários, o diálogo do nosso povo com os partidos dos soaristas e do bloco central?

Um homem, como Soares, tem o direito de chegar a velho; não tem é o direito de perder a vergonha.


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