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PAÍS

O papa alemão e o cardeal de Lisboa

Desde a instituição do cristianismo como religião oficial do império, no século IV, que a Igreja de Roma se foi estabelecendo como o principal centro de direcção política das classes dominantes nos reinos cristãos da Idade Média europeia. No deslocamento do poder global para os países do norte da Europa e das ilhas britânicas que acompanhou o surgimento do capitalismo industrial moderno, foi no interior da Igreja de Roma que ocorreram alguns dos principais episódios de uma luta política mortal e fratricida, a qual acabou por conduzir a um fraccionamento de poderes e a um novo status quo no interior do chamado mundo cristão. A consequente perda de força e influência política por parte da Igreja de Roma não foi no entanto suficiente para lhe retirar o estatuto de parceiro preferencial dos poderes imperialistas modernos, sempre que está em jogo o reforço ou a sobrevivência do sistema de exploração e opressão que lhes serve de fundamento e alicerce.

A colocação de homens de confiança no papado de Roma assume neste contexto uma importância primordial. Reportando-nos apenas a acontecimentos recentes, temos a entronização do polaco Karol Wojtila como João Paulo II (o papa que “venceu o comunismo”, na retórica imperialista), na sequência de uma mais do que suspeita morte de um concorrente, escassos dias após ter sido “erradamente” eleito como João Paulo I. E temos igualmente a escolha do sinistro cardeal alemão Ratzinger para suceder ao referido João Paulo II, como actual papa Bento XVI. A postura deste perante a actual crise económica e política, apoiando como necessários os programas terroristas ditos de austeridade decretados pelos poderes imperialistas e, em particular, a acção do governo do seu país no âmbito europeu, é bem demonstrativa do papel político contra-revolucionário que está atribuído à hierarquia suprema da igreja católica e de como, nesta perspectiva, foi acertada a escolha do actual detentor da cadeira de Pedro.

Na passada semana, o papa mandou chamar a Roma os chefes da igreja católica nos diversos países, os quais ali foram instruídos sobre a postura a adoptar na presente crise europeia e sobre a ordem e a unidade de comando que teriam de impor nas respectivas igrejas. Tão intensa foi a lavagem ao cérebro de que foram alvo que o “nosso” cardeal José Policarpo, tido por homem inteligente mesmo sendo um reaccionário dos quatro costados, não resistiu a expelir pela boca, logo após a sua chegada a Lisboa, todo o veneno sagrado que foi beber ao retiro romano.

Nas suas patéticas e pungentes declarações, Policarpo começou por mandar recolher ao redil os que julga serem carneiros submissos do seu rebanho. Nada de participarem em manifestações, greves ou quaisquer movimentos de contestação à tróica alemã e ao seu governo de lacaios. “Ajudar em silêncio” as vítimas do enorme campo de morte lenta e silenciosa em que se transformaram Portugal e os países periféricos europeus, é a receita do novo Pio XI da cúria romana, a qual Policarpo se prestou a difundir sem sobressaltos de alma.

Depois de se declarar incompetente para julgar a acção do governo e da tróica e de afirmar que não é esse o seu papel como chefe da igreja, D. José ilustrou essa postura distanciada com a seguinte afirmação peremptória: “Sejamos objectivos e tenhamos esperança, porque penso que há sinais disso, que estes sacrifícios levarão a resultados positivos – não apenas para nós, mas para a Europa”. E, mantendo sempre o mesmo desapego aos meandros da política mas não resistindo a assumir-se como veículo de uma voz do Além, D. José ainda acrescentou esta outra pérola ao seu rosário: “É na União Europeia que se deve procurar a solução para a crise. É nesse sistema em que estamos inseridos, por pertencer à União Europeia, que as soluções têm de ser encontradas. Para muitos problemas, não há duas soluções – há só uma”. Só lhe faltou mesmo acrescentar: “A alemã e mais nenhuma!”.

Que triste papel o seu, cardeal Policarpo. Bem pode o senhor dizer, como afirmou também na sua conferência de imprensa à chegada de Roma, que “é um erro a reacção colectiva a este momento nacional, que dá a ideia de que a única coisa que se pretende é mudar o governo”. Só que essa “única coisa” de que fala é tudo o que de mais importante é preciso fazer no momento actual. Pode ir dizer a quem lhe encomendou o discurso que os trabalhadores e o povo português lhe retribuem com um valente manguito. Que vão mudar de governo, sim senhor, e que há muito deixaram de ser, se é que alguma vez foram, a massa submissa, sofredora e ordeira que a Santa Madre Igreja gostaria que eles fossem.


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