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LIVROS

Saramago e as Alabardas Aldrabadas
Publicado em 14.10.2014

No passado dia 3 de Outubro, foi feito em Lisboa, com pompa e circunstância, o lançamento mundial da última pretendida obra de José Saramago, agora editado em Portugal pelo grupo livreiro da Porto Editora, depois da ruptura da Fundação e dos herdeiros do escritor com a editorial Caminho, entretanto vendida, por muito bom dinheiro, pelos cunhalistas do PCP ao grupo Leya.

Esta edição de uma inventada obra de Saramago é uma negociata sem escrúpulos, uma vigarice editorial e um escândalo cultural, que só podiam ser justificáveis por uma incontrolável ganância de dinheiro, uma ausência total de ética editorial e uma supina ignorância de cultura literária entre os diversos responsáveis pela nefasta ideia de publicação do produto.

Gente tão cega essa que nem palpitou no descalabro que faria à imagem do primeiro Nobel português da literatura.

Aquilo que a editora, a fundação e os herdeiros de Saramago puseram à venda como a última obra do escritor é um caderno de trinta folhas, interrompidas pela morte do autor, ocorrida em 18 de Junho de 2010, que contém o esboço do que seriam os três primeiros capítulos de um projectado mas inacabadíssimo romance, apontado ao título Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas, colhido na tragicomédia Exortação da Guerra, do nosso imortal Gil Vicente.

Não há escritor que morra e não deixe fragmentos escritos por aqui e por ali, nomeadamente fragmentos da última coisa que andaria a escrever, quando a morte o surpreendeu. Mas a publicação em obra autónoma desses fragmentos, textos ou criações inacabados só se justifica no âmbito de um projecto de edição das obras completas do autor e no contexto de estudos apropriados.

Pegar naquilo que se herdou como sendo os três primeiros capítulos de um romance inacabado e tentar vendê-lo enquanto o corpo está quente é uma decisão totalmente disparatada, que desde logo começa por não entender que um romance inacabado está também inacabado na parte que ficou acabada.

Deixando de lado o conteúdo dos três capítulos cuja teia romanesca nada garante poder ser a teia definitiva, a escrita dessas trinta folhas está a léguas do estilo final de Saramago, designadamente no ritmo levemente barroco da sua composição, e só isso deveria ter despertado o espírito dos negociantes de pacotilha para a responsabilidade de não enganarem os leitores, impingindo-lhes como última obra, mesmo que inacabada, aquilo que nunca chegou a ser nem é obra de nenhuma espécie.

Constitui uma verdadeira lástima ver como estes negociantes da undécima hora enchouriçam as trinta folhas do defunto nas cento e quarenta páginas do objecto posto à venda, sob o nome de José Saramago, mas com o título resumido “Alabardas” mais nada, o que mostra que até as Alabardas, Alabardas tiveram de ser aldrabadas.

Já agora, deixemos aqui a receita do Chouriço Saramago, em que se especializaram a Porto Editora, a Fundação e os herdeiros do nosso prémio Nobel da Literatura.

Chouriço Saramago

• Trinta folhas do defunto;

• Metade dessas folhas preenchidas com janelas de citações da própria página, a letra vermelha, para engrossar o enchido;

• No meio das trinta folhas, dezassete páginas inteiras com ilustrações de Günter Grass, um bom escritor, mas que não passa de um alarve em matéria de desenho;

• Juntem-se mais seis páginas de um caderno de Saramago sobre as Alabardas;

• Cosa-se a tudo isso, mas dentro da mesma tripa, um ensaio, totalmente despropositado, mal escrito e pior traduzido, encomendado ao espanhol Aguilera, amigo da família;

• Finalmente, colapse-se a tripa com um ensaio encomendado a outro amigo da família, o jornalista e escritor italiano Roberto Saviano, sobre os heterónimos de Artur Paz Semedo encontrados nas suas andanças.

Depois, é atar e pôr ao fumeiro, e aí teremos, com cento e trinta e cinco páginas, um chouriço para o qual Saramago contribuiu apenas com um caderno de trinta folhas. Não é com certeza o pata negra do escritor, mas – que diabo! – também só custa quinze euros…

Com um método tão engenhoso e barato de fabricar os Chouriços Saramago, não será de admirar que a Porto Editora, a Fundação e os herdeiros do Nobel nos presenteiem com muitos e lucrativos produtos da sua quinta, no futuro.

Se porventura os meus estimados leitores adquirirem as Alabardas, Alabardas, corram depois a ler o Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis, porque aí poderão purgar-se com proveito de um chouriço nauseabundo.

Saramago pretendia, conforme escreveu no seu caderno de notas, terminar Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas com a heroína Felícia a repontar ao marido, Artur Paz Semedo, de quem vivia aliás separada: Vai à merda!

Ora, aqui está o que o leitor decerto não se esquecerá de despachar aos negociantes da pretendida obra do primeiro chouriço de Saramago, se porventura o comprar e ler, como eu, por dever de ofício e desgraça dos meus pecados, tive de o fazer.


Espártaco





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Comentários   

 
# isabel lopes 05-11-2014 21:17
Gostei muito do artigo ,não tenho partido
 

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